Já sentiu aquela adrenalina ao apostar? O coração dispara. As mãos suam. O tempo voa. E de repente, a conta bancária esvazia.
Não está sozinho.
O vício em jogos de azar online cresce silenciosamente. Afeta milhões. Destrói finanças. Abala relacionamentos.
Vamos falar sobre isso.
Como psicólogo da Clínica Vida Sóbria, vejo esse problema aumentando cada dia. Os aplicativos de apostas estão por toda parte. Nas camisas dos times. Nos comerciais da TV. Nos anúncios do celular.
A tentação fica a um clique de distância. Sempre.
“O vício em jogos é comparável à dependência química em seus mecanismos neurobiológicos, afetando os sistemas de recompensa cerebral e causando alterações comportamentais severas” (OLIVEIRA, 2022).
Meu consultório recebe cada vez mais pessoas afetadas por esse problema. Homens. Mulheres. Jovens. Idosos. O vício não escolhe idade ou classe social.
Neste artigo, vou compartilhar o que aprendi nos meus anos de prática. E mais importante: como você pode combater esse vício.
Como reconhecer o vício em jogos online
O reconhecimento é o primeiro passo. Mas nem sempre é fácil.
Muitos jogadores negam o problema. Acreditam que estão no controle. Pensam que podem parar quando quiserem.
Já ouvi isso centenas de vezes.
Ele nunca recuperou. E continuou apostando.
Aqui estão alguns sinais de alerta:
- Pensa em jogos constantemente
- Aposta valores cada vez maiores
- Fica irritado ao tentar parar
- Mente sobre quanto tempo passa jogando
- Usa jogos para escapar de problemas
- Põe em risco trabalho e relacionamentos
- Pede dinheiro emprestado para apostar
Reconheceu algum sinal? Não ignore.
O cérebro de um apostador compulsivo funciona diferente. Cada aposta libera dopamina. É como uma droga. O corpo pede mais e mais.
Por isso é tão difícil parar sozinho.
Por que os jogos online são tão viciantes?
Os jogos online têm um poder que os cassinos físicos não têm.
Estão sempre disponíveis. 24 horas por dia. No seu bolso.
Ana, uma paciente de 42 anos, descreveu assim: “É como ter um cassino inteiro dentro do meu celular. Sempre comigo. A qualquer hora.”
A acessibilidade é apenas o começo.
Os desenvolvedores desses jogos conhecem o cérebro humano. Sabem exatamente como prendê-lo.
Luzes piscando. Sons estimulantes. Pequenas vitórias frequentes.
E aquela sensação de “quase ganhar” que faz você tentar só mais uma vez.
Já atendi pessoas que passaram 18 horas seguidas apostando online. Sem comer. Sem dormir.
O celular virou uma extensão do corpo. Um vício portátil.
O impacto devastador nas finanças pessoais
O estrago financeiro costuma ser o primeiro sinal visível.
Contas atrasadas. Dívidas crescentes. Empréstimos secretos.
“Era como estar em transe”, me contou. “Eu sabia que estava errado, mas não conseguia parar.”
O vício em jogos tem uma particularidade cruel. O apostador sempre acredita que a próxima aposta vai resolver tudo.
É um ciclo sem fim:
- Perder dinheiro
- Apostar mais para recuperar
- Perder ainda mais
- Repetir
Vejo famílias inteiras destruídas por esse ciclo. Aposentadorias perdidas. Casas hipotecadas. Futuros comprometidos.
Como o vício afeta relacionamentos
O dinheiro é apenas uma parte do problema.
O vício em jogos corrói relacionamentos. Destrói a confiança. Cria abismos entre pessoas.
Marina chegou ao meu consultório após descobrir que o marido havia perdido as economias do casal em sites de apostas.
“Não sei o que dói mais”, desabafou. “O dinheiro perdido ou as mentiras.”
O apostador compulsivo se isola. Prefere jogar a conviver. Mente para esconder perdas. Fica ausente mesmo quando está presente.
Filhos sofrem com pais distantes. Parceiros se sentem traídos. Amizades se desfazem.
É como um buraco negro que suga tudo ao redor.
Estratégias práticas para combater o vício
Superar esse vício é possível. Difícil, mas possível.
Tenho visto recuperações inspiradoras na minha prática clínica. Pessoas que retomaram o controle de suas vidas.
Aqui estão algumas estratégias que funcionam:
1. Admita o problema
Parece óbvio, mas é o passo mais difícil.
Diga em voz alta: “Tenho um problema com jogos.”
Sem essa admissão, nada muda.
2. Instale bloqueadores nos dispositivos
Existem aplicativos que bloqueiam sites de apostas. Use-os.
Peça a alguém de confiança para criar a senha. Assim você não pode desinstalar quando a vontade apertar.
3. Entregue o controle financeiro temporariamente
Isso doeu? Sei que sim.
Mas funciona.
Peça a alguém próximo para gerenciar seu dinheiro por um tempo. Estabeleça uma mesada. Entregue cartões.
Ricardo, empresário de 50 anos, deu controle total das finanças à esposa por seis meses. “Foi humilhante no início”, confessou. “Mas me salvou.”
4. Busque grupos de apoio
Você não está sozinho nessa luta.
Grupos como Jogadores Anônimos funcionam. A força do coletivo faz diferença.
Ouvir outras histórias traz perspectiva. Diminui a vergonha. Cria rede de apoio.
5. Terapia especializada
O vício em jogos tem raízes profundas. Muitas vezes esconde outros problemas.
A terapia cognitivo-comportamental mostra resultados excelentes nesses casos.
“Pessoas com transtorno do jogo patológico apresentam comorbidades frequentes com outras condições mentais, principalmente transtornos de humor e de ansiedade, exigindo abordagem terapêutica integrada” (TAVARES, 2020).
Na terapia, você aprende a identificar gatilhos. Desenvolve novas formas de lidar com emoções. Reconstrói pensamentos distorcidos.
Reconstruindo a vida financeira
A recuperação financeira leva tempo. Paciência é fundamental.
Comece com um orçamento realista. Anote cada gasto. Priorize dívidas urgentes.
Paulo, após seis meses sem apostar, criou um plano de pagamento de dívidas com ajuda profissional. Três anos depois, estava livre das dívidas.
“Foi como tirar um elefante das costas”, disse ele.
Pequenas vitórias motivam. Celebre cada conta paga. Cada mês sem apostar.
A sensação de controle volta aos poucos. E com ela, a autoestima.
Reconstruindo relacionamentos
A confiança quebrada não se conserta da noite para o dia.
Leva tempo. Exige consistência. Pede transparência absoluta.
“Minha esposa demorou um ano para confiar em mim novamente”, contou Carlos. “Não a culpo. Eu menti muitas vezes.”
Algumas dicas:
- Seja totalmente honesto sobre o passado
- Aceite que a desconfiança é natural
- Mantenha-se aberto sobre suas finanças atuais
- Inclua seus familiares no processo de recuperação
- Considere terapia de casal
A reconstrução de relacionamentos é gradual. Um dia de cada vez.
Quando a recaída acontece
Vou ser sincero: recaídas fazem parte do processo.
Não se culpe excessivamente se isso acontecer. Não desista.
Uma recaída não significa fracasso total. É um tropeço no caminho.
Tenho pacientes que recaíram cinco, seis vezes antes de conseguir parar definitivamente.
O que fazer se recair:
- Pare imediatamente
- Conte para seu grupo de apoio
- Analise o que desencadeou a recaída
- Refine seu plano de prevenção
- Volte ao caminho
Cada recaída traz aprendizados. Use-os a seu favor.
A vida após o vício
Existe vida – e uma boa vida – após o vício em jogos.
Fernando, ex-jogador compulsivo, me enviou uma mensagem três anos após o tratamento:
“Doutor, hoje comprei minha casa própria. Com dinheiro que guardei, não que ganhei apostando. A sensação é indescritível.”
A recuperação traz novas perspectivas. Novos valores.
O dinheiro ganha outro significado. As relações se aprofundam. O tempo se preenche com atividades significativas.
Muitos ex-jogadores descobrem prazeres simples que haviam esquecido. Conversas. Passeios. Hobbies.
A vida desacelera. E paradoxalmente, fica mais rica.
Próximos passos práticos
Se você se identificou com este artigo, não espere o fundo do poço.
Aqui estão três passos imediatos:
- Faça uma autoavaliação honesta do seu comportamento com jogos
- Converse com alguém próximo sobre suas preocupações
- Busque ajuda profissional especializada
O primeiro passo é sempre o mais difícil. Mas também o mais importante.
Você não precisa enfrentar isso sozinho. Nem deve.
E acredite: a vida sem o peso das apostas é muito mais leve. Muito mais livre.
Já ajudei centenas de pessoas a superarem esse vício. Vi famílias se reconciliarem. Vi finanças se reconstruírem.
Sei que é possível. Para qualquer pessoa. Inclusive você.
O caminho não é fácil. Nem rápido. Mas vale cada passo.
A verdadeira aposta que vale a pena? É em você mesmo.
Referências:
OLIVEIRA, M. P. M. T. et al. Jogos de azar e uso de substâncias em uma amostra de estudantes universitários. Jornal Brasileiro de Psiquiatria, v. 71, n. 1, p. 23-30, 2022. Disponível em: https://www.scielo.br/j/jbpsiq/a/SjB9Xr3xDbTTPz33yfZFF4p/abstract/?lang=pt