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Vício em Jogos de Azar: Entenda as Consequências Familiares

Descubra como o vício em jogos de azar afeta famílias inteiras e conheça caminhos para reconhecer os sinais e buscar ajuda especializada.
Vício em Jogos de Azar Entenda as Consequências Familiares

O que acontece quando o jogo vira um problema?

Já pensou como um simples passatempo pode virar um pesadelo familiar? O vício em jogos não afeta só quem joga. A família toda sofre.

Os números assustam. E muito.

De acordo com estudos recentes, “entre 1% e 5% da população adulta apresenta problemas com jogos de azar em diferentes níveis de gravidade, com impactos devastadores na estrutura familiar e nas relações interpessoais” (TAVARES, 2020).

A história de Carlos me marcou profundamente. Pai de três filhos, perdeu a casa da família após hipotecar o imóvel para pagar dívidas de jogo. A esposa só descobriu quando o oficial de justiça bateu à porta.

Não é só uma questão de dinheiro. É muito mais.

As famílias por trás dos números

As famílias de jogadores compulsivos vivem uma montanha-russa emocional. Um dia tudo parece bem. No outro, o caos.

Nas minhas sessões de terapia familiar, vejo padrões recorrentes. Filhos confusos. Parceiros desesperados. Confiança quebrada.

Ana, esposa de um paciente, descreveu assim: “É como viver com um estranho. Nunca sei quem vai chegar em casa hoje.”

O jogo compulsivo cria um ambiente de:

  • Mentiras frequentes
  • Dívidas escondidas
  • Ausências inexplicadas
  • Promessas quebradas

As crianças sentem primeiro. E pior.

Muitas desenvolvem ansiedade crônica. Ficam hipervigilantes. Como pequenos adultos carregando preocupações grandes demais.

Sinais de alerta que as famílias costumam ignorar

Você conhece alguém que:

Desaparece por horas sem explicação clara?

Tem alterações de humor ligadas a ganhos ou perdas?

Esconde extratos bancários e faturas de cartão?

Pega dinheiro emprestado com frequência?

Fala excessivamente sobre grandes vitórias, mas nunca sobre perdas?

Vi famílias ignorarem esses sinais por anos. O cérebro cria justificativas. Procura explicações mais aceitáveis.

Uma paciente me contou que encontrou extratos de empréstimos escondidos na garagem. Preferiu acreditar que era para uma “surpresa” de aniversário. Seis meses depois, perderam o carro.

O ciclo destrutivo dentro de casa

O vício em jogos segue um padrão. Primeiro vem a empolgação. Depois, as perdas. Então, a recuperação desesperada.

E a família? Entra em seu próprio ciclo.

Fase 1: Negação “É só uma fase.” “Ele vai parar quando quiser.”

Fase 2: Estresse e preocupação Noites sem dormir. Contas atrasadas. Tensão constante.

Fase 3: Raiva e ressentimento “Como ele pôde fazer isso conosco?”

Fase 4: Tentativas desesperadas de controle Esconder dinheiro. Monitorar cada passo.

Este ciclo desgasta até as relações mais sólidas. O amor vira desconfiança.

O jogo compulsivo é como um furacão que passa repetidamente pelo mesmo lugar. A cada passagem, sobra menos para reconstruir.

Os danos invisíveis nas crianças

Nas minhas duas décadas atendendo famílias, os relatos de filhos de jogadores têm padrões tristes.

“Papai só ficava feliz quando ganhava no jogo.” (Menino, 9 anos)

“Aprendi a não pedir nada que custasse dinheiro.” (Adolescente, 15 anos)

“Eu guardava moedas pra comprar comida quando acabasse.” (Jovem adulta, relembrando a infância)

Esses filhos aprendem cedo demais sobre:

Instabilidade financeira Quebra de confiança Medo do futuro Responsabilidades adultas

Muitas dessas crianças desenvolvem seus próprios problemas com dinheiro. Algumas ficam ultraconservadoras. Outras repetem o padrão de risco dos pais.

A pesquisa mostra que “filhos de jogadores patológicos têm probabilidade até quatro vezes maior de desenvolverem comportamentos aditivos na vida adulta, criando um ciclo intergeracional de dependência e disfunção familiar” (OLIVEIRA, 2018).

Quando o parceiro vira cúmplice sem querer

Você já ouviu falar em codependência? No vício em jogos, ela é comum.

Segundo especialistas da Clínica Vida Sóbria afirmam que maridos e esposas acabam facilitando o problema. Pagam dívidas. Mentem para proteger. Assumem responsabilidades extras.

Parece ajuda. Mas é combustível para o vício.

Teresa, uma paciente de 53 anos, descobriu dívidas de jogo do marido três vezes. Nas três, vendeu bens pessoais para “salvar a família da vergonha”.

Ela achava que estava protegendo os filhos. Na verdade, estava ensinando que:

  • Problemas grandes podem ser escondidos
  • Não há consequências reais para comportamentos destrutivos
  • Sacrificar-se pelos outros é normal, mesmo quando dói

A linha entre apoio e codependência é tênue. E muitos a cruzam sem perceber.

Impactos financeiros: além das dívidas

O estrago financeiro vai muito além das dívidas imediatas. Afeta gerações.

Vi famílias perderem:

  • Casas próprias
  • Fundos para educação dos filhos
  • Heranças inteiras
  • Poupanças de uma vida
  • Negócios familiares

João, empresário de 48 anos, descreveu seu vício como “uma máquina de moer dinheiro e sonhos”. Perdeu a loja que herdou do pai após 30 anos de funcionamento.

O impacto pode durar décadas. Crianças sem faculdade. Aposentadorias comprometidas. Histórico de crédito destruído.

Não é só dinheiro que se perde. São oportunidades. Segurança. Futuros inteiros.

Como ajudar sem piorar a situação

Ajudar alguém com vício em jogos exige equilíbrio. Firmeza e compaixão.

Na minha prática clínica, vejo que funciona melhor:

Estabelecer limites claros. “Não vou mais emprestar dinheiro.”

Oferecer ajuda prática para buscar tratamento.

Participar de grupos de apoio para familiares.

Proteger os recursos financeiros básicos da família.

Buscar terapia familiar, não apenas individual.

Evitar acusações constantes. Focar em comportamentos específicos.

Martina, esposa de um jogador em recuperação, me disse: “Precisei aprender a separar o homem que eu amava da doença que o consumia.”

É um caminho difícil. Cheio de recaídas. A recuperação raramente é linear.

Reconstruindo a confiança: um passo de cada vez

A confiança quebrada pelo vício em jogos não se conserta da noite pro dia. Leva tempo. Muito tempo.

Trabalho com famílias em recuperação seguindo pequenos passos:

Transparência financeira total. Extratos abertos. Prestação de contas.

Comunicação honesta sobre gatilhos e desejos de jogar.

Celebração de pequenas vitórias. Um dia, uma semana, um mês sem jogos.

Reconstrução de rotinas familiares saudáveis.

Pedro, em recuperação há três anos, compara o processo a “reconstruir uma casa tijolo por tijolo, com a família observando cada movimento.”

As crianças precisam de tempo extra. Suas feridas emocionais muitas vezes demoram mais para sarar que as finanças.

Encontrando ajuda: você não está sozinho

Se sua família enfrenta o vício em jogos, saiba: existe ajuda.

Grupos como Jogadores Anônimos e Familiares de Jogadores Anônimos estão presentes em muitas cidades.

Terapeutas especializados em adições comportamentais fazem diferença.

Existem linhas de apoio gratuitas.

No início da minha carreira, subestimava o poder dos grupos de apoio. Hoje, os vejo como essenciais. O alívio de uma mãe ao perceber que outras famílias vivem o mesmo drama é palpável.

“Foi a primeira vez em cinco anos que não me senti sozinha nessa luta”, contou Cláudia após sua primeira reunião de apoio.

A vergonha isola. E o isolamento só piora tudo.

É possível haver um amanhã melhor

Já vi famílias reconstruídas após o caos do vício. Não sem cicatrizes. Mas mais fortes em muitos aspectos.

Marcos, abstinente há sete anos, me disse: “Hoje conversamos sobre dinheiro abertamente em casa. Meus filhos estão aprendendo o que eu nunca aprendi.”

A recuperação traz lições valiosas:

  • Honestidade radical
  • Responsabilidade financeira
  • Comunicação clara
  • Perdão e compaixão

E dá para recomeçar, sim.

Famílias que enfrentam o vício juntas desenvolvem uma resiliência extraordinária. Aprendem a valorizar o que realmente importa.

Próximos passos práticos

Se você reconheceu sinais de vício em jogos na sua família, comece hoje mesmo:

Busque informação qualificada sobre o tema.

Converse com a pessoa em um momento calmo, sem acusações.

Procure um grupo de apoio para familiares, mesmo que o jogador não queira ajuda.

Proteja os recursos financeiros essenciais da família.

Cuide da sua saúde mental e da dos outros familiares, especialmente crianças.

O caminho não é fácil. Haverá dias muito difíceis. Mas cada pequeno passo importa.

E você não precisa caminhar sozinho.


Referências:

TAVARES, H. Jogo patológico e suas consequências para a saúde pública. Revista de Saúde Pública, v. 54, n. 73, 2020. Disponível em: https://www.scielo.br/j/rsp/a/cBvcQb39BvpcRTvrxmH6B5x/

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