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Mitos e Verdades Sobre a Dependência Química: O Que Você Precisa Saber

Descubra os mitos e verdades sobre dependência química e como identificar sinais de alerta. Informações baseadas em evidências para ajudar quem precisa.
Mitos e Verdades Sobre a Dependência Química O Que Você Precisa Saber

Já acordou pensando em uma substância? Ou viu alguém que ama se transformar diante dos seus olhos?

A dependência química muda tudo. Muda famílias. Muda sonhos. Muda vidas.

Atendo pessoas com dependência há mais de 15 anos. E ainda me surpreendo. Cada história é única. Cada recuperação também.

O problema? Existem muitos mitos. Muita desinformação. E isso dificulta a busca por ajuda.

A dependência química é uma doença crônica caracterizada pela busca e uso compulsivo de substâncias, apesar das consequências negativas, com mudanças significativas na estrutura e funcionamento cerebral (LARANJEIRA, 2014).

Vamos separar os mitos das verdades? Vamos entender melhor esse problema que afeta milhões de brasileiros?

O que realmente acontece no cérebro

O cérebro muda com a dependência. Não é exagero. Não é “drama”.

O cérebro tem um sistema de recompensa. Ele nos faz sentir prazer com comida, sexo, afeto. Coisas que garantem nossa sobrevivência.

As drogas sequestram esse sistema. Elas liberam dopamina em excesso. Muito mais que qualquer prazer natural.

E o cérebro tenta se adaptar. Reduz receptores. Muda sua química. Por isso a pessoa precisa de doses cada vez maiores.

Ana, minha paciente de 32 anos, explicava assim: “É como se meu cérebro tivesse dois motoristas. Eu e a droga. E a droga sempre ganha o volante.”

Não é falta de caráter. É química cerebral alterada.

Mitos que atrapalham a recuperação

Mito 1: Dependência é falta de força de vontade

Ouço isso o tempo todo. “Se quisesse parar, parava.”

Não é tão simples. O cérebro dependente funciona diferente. O controle foi comprometido.

Pense num carro sem freios numa descida. A força de vontade seria como pedir ao motorista que pare só usando os pés.

Muitos dos meus pacientes tentaram parar dezenas de vezes. Sozinhos. E não conseguiram.

João tentou 17 vezes antes de buscar ajuda profissional. “Achei que era fraco. Na verdade, estava doente e não sabia.”

Mito 2: Só usa drogas quem tem problemas

Este mito é perigoso. Afasta pessoas “bem-sucedidas” do tratamento.

A verdade? A dependência não escolhe classe social. Não escolhe escolaridade. Não escolhe família.

Atendi executivos, médicos, professores. Gente com família estruturada. Com emprego estável.

A vulnerabilidade à dependência tem componentes genéticos, psicológicos e sociais. Ninguém está 100% imune.

Mito 3: Internar é a única solução

A internação às vezes é necessária. Mas não é a única opção. E nem sempre é a melhor.

O tratamento ideal depende de cada caso. Cada pessoa. Cada contexto.

Alguns se recuperam em ambulatórios. Outros em grupos de apoio. Alguns precisam de comunidades terapêuticas.

O que funciona? O tratamento personalizado. Aquele que respeita a história da pessoa. Suas necessidades específicas.

Verdades que precisam ser ditas

Verdade 1: A recaída faz parte do processo

Na minha clínica, vejo isso frequentemente. A recaída acontece. E não significa fracasso total.

A dependência é uma doença crônica. Como diabetes ou hipertensão. Tem momentos de controle. E momentos de crise.

Pedro recaiu cinco vezes antes de manter a sobriedade. “Cada recaída me ensinou algo. Aprendi a identificar meus gatilhos. A criar estratégias diferentes.”

A recaída não é o fim. Pode ser um novo começo. Um aprendizado.

Verdade 2: O ambiente influencia muito

Já vi pacientes voltarem para os mesmos lugares. As mesmas companhias. E recaírem rapidamente.

O cérebro cria associações fortes. Lugares, pessoas, horários, emoções. Tudo pode virar gatilho.

Mariana descrevia assim: “Passar na rua onde eu comprava drogas era como ser um diabético numa fábrica de chocolate.”

A recuperação geralmente exige mudanças ambientais. Novas rotinas. Novos hábitos. Novas companhias, às vezes.

Verdade 3: Família precisa de tratamento também

A dependência adoece toda a família. Não só quem usa a substância.

Pais desenvolvem ansiedade crônica. Parceiros vivem em estresse constante. Filhos crescem em ambiente imprevisível.

A codependência é comum. Familiares desenvolvem comportamentos que, sem querer, mantêm o ciclo da dependência.

O tratamento familiar não é luxo. É necessidade. A recuperação tem mais chances quando todos se cuidam.

Sinais de alerta que ninguém deveria ignorar

Como identificar a dependência no início? Existem sinais.

Mudanças de comportamento súbitas. Isolamento social. Queda no desempenho escolar ou profissional.

Alterações no sono. Na alimentação. No humor.

Dinheiro sumindo sem explicação. Objetos desaparecendo de casa.

Defendo o diálogo aberto. Sem acusações. Claudia, mãe de um adolescente, conseguiu abordar o filho assim: “Estou preocupada e quero ajudar. Podemos conversar sobre o que está acontecendo?”

Quanto mais cedo a intervenção, melhores os resultados. Os estudos comprovam isso.

Tratamentos que realmente funcionam

O campo evoluiu muito. Hoje temos evidências sólidas sobre o que funciona.

A abordagem multidisciplinar é essencial. Médicos, psicólogos, terapeutas ocupacionais, assistentes sociais.

A terapia cognitivo-comportamental mostra resultados consistentes. Ajuda a identificar e modificar pensamentos e comportamentos problemáticos.

Os grupos de mútua ajuda funcionam para muitas pessoas. AA, NA e outros grupos oferecem acolhimento e identificação.

Em alguns casos, medicamentos são necessários. Para desintoxicação. Para tratar comorbidades. Para reduzir a fissura.

“No tratamento da dependência, não existe bala de prata,” diz o psiquiatra Ronaldo Laranjeira. “A combinação personalizada de abordagens é o que traz resultados duradouros” (LARANJEIRA, 2016).

Recuperação: um dia de cada vez

A recuperação não é um evento. É um processo. Um caminho.

Vi pacientes transformarem suas vidas completamente. Reconstruírem laços familiares. Retomarem estudos e carreira.

Ricardo, abstinente há 5 anos, me disse algo que nunca esqueci: “A dependência me roubou 10 anos. Mas a recuperação me devolveu uma vida que eu nem sabia que podia ter.”

O processo tem altos e baixos. Dias bons e ruins. Como qualquer jornada importante.

O suporte contínuo faz diferença. Terapia. Grupos. Atividades prazerosas saudáveis.

A espiritualidade ajuda muitos dos meus pacientes. Não precisamente religião. Mas uma conexão com algo maior. Um propósito.

O que fazer se você ou alguém que ama precisa de ajuda

Busque informação qualificada. Este texto é só um começo.

Procure serviços especializados. CAPS-AD. Ambulatórios de hospitais universitários. Profissionais especializados.

Grupos como AA e NA existem em quase todas as cidades. E são gratuitos.

Ligue para o 132, da Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas. Eles orientam sobre serviços disponíveis.

Não tente resolver sozinho. Busque ajuda. Peça apoio.

A dependência é uma doença. Tem tratamento. Tem recuperação.

Vi isso acontecer centenas de vezes ao longo da minha carreira. Vi pessoas renascerem.

Você ou seu familiar também podem.

O primeiro passo? Romper o silêncio. Aceitar ajuda. Começar hoje.

Referências

LARANJEIRA, R. Bases do tratamento da dependência de substâncias psicoativas. São Paulo: Atheneu, 2014. Disponível em: https://pergamum-biblioteca.pucpr.br/pesquisa_geral?q=Laranjeira,%20Ronaldo&for=AUTOR

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