CENTRAL (12)

A Conexão Entre Álcool e Violência de Gênero

Entenda a complexa relação entre álcool e violência de gênero, como o consumo facilita comportamentos agressivos e o que fazer para buscar ajuda e proteção."

Você provavelmente já ouviu alguém dizer que “foi a bebida que fez aquilo acontecer”, não é mesmo? Ou talvez conheça casos onde o álcool aparece como uma espécie de justificativa para comportamentos violentos. Muita gente até acredita que existe uma relação direta e simples entre beber e agredir, mas a verdade é bem mais complexa do que parece.

Bom, vamos esclarecer isso de uma vez por todas.

O Álcool Realmente Causa Violência?

Aqui está o ponto que mais gera confusão: o álcool não causa violência como se fosse um interruptor automático. Sabe quando você toma um remédio e ele tem um efeito específico garantido? Então, com o álcool não funciona assim.

O que acontece de verdade é que o álcool age como um facilitador. Ele diminui os freios que normalmente temos, aquelas barreiras internas que nos fazem pensar duas vezes antes de agir. Para ser mais exato, a substância afeta diretamente o córtex pré-frontal do cérebro, que é justamente a área responsável pelo controle de impulsos e julgamento.

Mas aqui vem a parte importante: se a pessoa já tem tendências violentas, crenças machistas ou histórico de controle abusivo, o álcool pode intensificar esses comportamentos. É como se ele tirasse a máscara que essa pessoa usa no dia a dia. Dá para imaginar como isso se torna perigoso em relacionamentos, né?

Por Que as Mulheres São as Principais Vítimas?

A estatística é assustadora: entre 55% e 95% dos casos de violência doméstica envolvem o consumo de álcool por parte do agressor. E olha que não estou exagerando não, esses números vêm de estudos sérios feitos em diversos países.

O que muita gente não sabe é que essa conexão tem raízes muito mais profundas do que simplesmente “beber demais”. Estamos falando de uma combinação explosiva entre:

Estruturas sociais machistas. Vivemos em uma sociedade que ainda ensina muitos homens que eles devem ter controle sobre suas parceiras. Quando o álcool entra na equação, essas crenças se manifestam de forma mais agressiva.

Padrões de consumo problemático. Não é qualquer pessoa que bebe que se torna violenta. Mas aqueles que têm problemas com álcool apresentam taxas de violência doméstica até 8 vezes maiores.

Ciclos de dependência emocional. Muitas vítimas acreditam que o problema está apenas na bebida, então permanecem no relacionamento esperando que a situação melhore quando o parceiro parar de beber.

E sabe o pior? A bebida também é usada como desculpa. “Ele não queria, estava bêbado” é uma frase que você já deve ter ouvido por aí. Isso minimiza a gravidade da violência e coloca a responsabilidade na substância, não no agressor.

Os Sinais Que Você Precisa Conhecer

Nem sempre a violência começa com agressões físicas. Ela vai se instalando aos poucos, e o álcool muitas vezes aparece como parte desse processo.

Preste atenção nestes padrões:

A pessoa bebe e imediatamente muda de comportamento. Fica agressiva verbalmente, faz ameaças ou tem explosões de raiva desproporcionais. Depois que passa o efeito, pode até pedir desculpas, mas na próxima vez que bebe, acontece tudo de novo.

O consumo aumenta junto com o controle. No começo pode ser social, depois passa a ser diário. E conforme a pessoa bebe mais, também intensifica comportamentos controladores: questiona onde você vai, com quem fala, o que veste.

Há uma oscilação entre momentos “bons” e “ruins”. Esse é o ciclo clássico da violência doméstica. Tensão acumulando, explosão (geralmente quando há álcool envolvido), lua de mel com promessas e recomeço. Dá para imaginar o desgaste emocional disso, né?

A família e amigos começam a afastar. Não porque querem, mas porque o agressor vai isolando a vítima gradualmente. E muitas vezes usa a bebida como desculpa para episódios constrangedores que afastam as pessoas naturalmente.

O que muita gente não percebe é que esse padrão não melhora sozinho. Pelo contrário, tende a se intensificar com o tempo.

A Armadilha da Esperança

“Quando ele parar de beber, tudo vai melhorar.”

Você ou alguém próximo já pensou assim? É completamente compreensível. A gente quer acreditar que existe uma solução simples para um problema doloroso. Mas aqui está a verdade difícil: mesmo quando a pessoa para de beber, os comportamentos violentos frequentemente continuam.

Por quê? Porque o álcool não é a causa raiz da violência, ele é um amplificador. A violência de gênero tem origem em questões muito mais profundas:

Crenças sobre poder e controle. Muitos agressores acreditam genuinamente que têm o direito de controlar suas parceiras. Isso não desaparece quando a bebida acaba.

Falta de habilidades emocionais. Dificuldade de lidar com frustração, rejeição ou conflitos. O álcool pode intensificar essas dificuldades, mas elas existem independentemente da substância.

Histórico pessoal não resolvido. Traumas, exposição à violência na infância, problemas não tratados. Sem falar que muitos agressores nunca aprenderam formas saudáveis de se relacionar.

E olha só: estudos mostram que entre 25% e 50% dos agressores continuam sendo violentos mesmo após ficarem sóbrios. Isso porque o problema nunca foi apenas o álcool.

O Papel da Sociedade Nessa História

Sabe aquela frase “em briga de marido e mulher, ninguém mete a colher”? Então, ela faz parte do problema. A cultura do silêncio e da não interferência permite que ciclos de violência continuem por anos, décadas até.

A sociedade tem um papel enorme em perpetuar ou combater essa violência:

Normalização do consumo excessivo. Quantas vezes você já viu alguém se orgulhar de beber muito? Ou fazer piada sobre “apagar” de tão bêbado? Essa cultura diminui a gravidade do problema.

Tolerância com comportamentos agressivos. “Ah, ele é assim quando bebe” vira quase uma característica da pessoa, como se fosse aceitável ter um “lado ruim” quando está sob efeito de álcool.

Culpabilização das vítimas. Infelizmente, muitas mulheres ainda ouvem perguntas como “por que você não sai?” ou “o que você fez para provocar?”. Isso ignora completamente a complexidade da situação.

Falta de estrutura de apoio. Casas de acolhimento lotadas, delegacias especializadas insuficientes, processos judiciais que demoram anos. Sem uma rede de proteção eficaz, muitas mulheres se sentem presas.

O que precisamos entender é que combater essa violência exige mudanças em múltiplas frentes. Não dá para simplesmente focar no álcool e ignorar todo o resto.

Os Danos Vão Além do Físico

Quando a gente fala em violência, muitas vezes pensa em marcas visíveis, machucados, lesões. Mas as cicatrizes emocionais podem ser ainda mais profundas e duradouras.

Mulheres que vivem em relacionamentos violentos onde o álcool está presente frequentemente desenvolvem:

Ansiedade constante. Aquele estado de alerta permanente, nunca sabendo quando vai acontecer o próximo episódio. É como andar em ovos o tempo todo, monitorando o humor do parceiro, a quantidade que ele bebeu.

Depressão severa. A sensação de estar presa, de não ter saída, de que a situação nunca vai mudar. Muitas vítimas perdem completamente a autoestima e começam a acreditar que merecem o tratamento que recebem.

Transtorno de estresse pós-traumático. Sim, igual ao que soldados desenvolvem em guerras. Flashbacks, pesadelos, reações exageradas a situações que lembram os episódios de violência.

Problemas de saúde física. O estresse crônico afeta o corpo todo. Dores de cabeça, problemas gastrointestinais, alterações no sono, enfraquecimento do sistema imunológico. Dá para imaginar o desgaste, né?

E tem ainda outro aspecto que pouca gente menciona: muitas vítimas acabam desenvolvendo problemas com álcool ou outras substâncias como forma de lidar com o trauma. É uma espécie de automedicação para suportar a dor emocional.

O Que Fazer Quando Você Reconhece Esses Sinais?

Talvez você esteja lendo isso e reconhecendo padrões na sua própria vida. Ou talvez esteja pensando em alguém próximo. Não precisa ter vergonha nem medo de admitir que algo está errado.

Se você está vivendo essa situação:

O primeiro passo é reconhecer que você não é responsável pela violência. Não importa o que você fez, disse ou deixou de fazer, nada justifica agressão. Nada mesmo.

Procure ajuda profissional. Pode ser um psicólogo, um grupo de apoio, serviços especializados em violência doméstica. Quanto mais cedo, melhor, porque esses profissionais entendem a complexidade da situação e podem te ajudar a traçar um plano seguro.

Construa uma rede de apoio. Converse com pessoas de confiança sobre o que está acontecendo. Quebre o silêncio. Muitas vezes a gente acha que ninguém vai entender, mas você pode se surpreender com o apoio que vai encontrar.

Documente os episódios. Guarde mensagens, tire fotos de lesões, anote datas e horários. Isso pode ser crucial se você precisar tomar medidas legais no futuro.

Se você conhece alguém nessa situação:

Não julgue. Frases como “eu não aguentaria isso” ou “é só sair” não ajudam. A realidade é muito mais complexa do que parece de fora.

Ofereça apoio consistente. Deixe claro que você está disponível, mas respeite o tempo da pessoa. Muitas vítimas tentam sair várias vezes antes de conseguir de fato.

Informe sobre recursos disponíveis. Às vezes a pessoa nem sabe que existem serviços que podem ajudar. Você pode pesquisar juntos sobre casas de acolhimento, delegacias especializadas, grupos de apoio.

Não confronte o agressor. Isso pode colocar você e a vítima em risco ainda maior. O ideal é focar em apoiar quem está sendo violentada.

Conseguindo Ajuda Profissional

Sair de um relacionamento violento é um processo, não um evento único. E esse processo funciona melhor quando há suporte profissional adequado.

Recursos disponíveis no Brasil:

Ligue 180 – Central de Atendimento à Mulher, funciona 24 horas, todos os dias, gratuitamente. Você pode ligar para denunciar, pedir orientações ou apenas conversar.

Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher (DEAMs) – Presentes na maioria das cidades, são preparadas especificamente para atender casos de violência de gênero.

Casas de Acolhimento – Oferecem moradia temporária, proteção e apoio para mulheres em situação de risco. Os endereços são sigilosos para garantir a segurança.

CRAS e CREAS – Centros de Referência de Assistência Social que podem ajudar com questões práticas como documentação, auxílios financeiros, encaminhamentos.

Defensoria Pública – Se você não tem condições de pagar um advogado, a Defensoria oferece assistência jurídica gratuita.

Procurar ajuda não é sinal de fraqueza, pelo contrário. É um ato de coragem e autocuidado. Você merece viver sem medo, sem violência, com dignidade.

Perguntas Que Você Pode Estar Se Fazendo

“Mas ele só fica assim quando bebe. No resto do tempo é uma boa pessoa.”

Isso é muito comum de ouvir. Mas aqui está a questão: uma pessoa que te trata bem apenas quando está sóbria não está realmente te tratando bem. O álcool não cria comportamentos do nada, ele revela aspectos da personalidade que estavam ali o tempo todo. E você merece alguém que te respeite em todas as circunstâncias, não apenas quando está no controle total das faculdades.

“E se eu sair e ele piorar? E se ele se machucar por minha causa?”

Você não é responsável pelas ações dele, inclusive pelo que ele pode fazer consigo mesmo. Essa é uma forma comum de manipulação: fazer a vítima se sentir responsável pelo bem-estar do agressor. Mas cada pessoa é responsável por suas próprias escolhas e ações. Se você está em perigo, sua prioridade precisa ser sua própria segurança.

“Ele prometeu que vai parar de beber e fazer terapia.”

Promessas são importantes, mas ações falam mais alto. Quantas vezes você já ouviu essa promessa? E o que realmente mudou? Para que haja mudança genuína, é preciso que a pessoa reconheça o problema, busque ajuda profissional consistente e demonstre mudanças concretas ao longo do tempo. Não basta prometer.

“Ninguém vai acreditar em mim. Ele é respeitado, tem uma boa imagem.”

Muitos agressores são extremamente habilidosos em manter uma imagem pública impecável. Mas isso não invalida o que você vive em casa. Violência doméstica acontece em todos os níveis sociais, em todos os tipos de famílias. Profissionais treinados para lidar com esses casos sabem disso e vão te levar a sério.

“E se eu não conseguir me sustentar sozinha?”

Essa é uma preocupação legítima e real. Mas existem programas de apoio, auxílios governamentais, cursos de capacitação profissional. A independência financeira pode ser construída gradualmente, e há recursos que podem te ajudar nessa transição. O importante é dar o primeiro passo e buscar informações sobre o que está disponível.

Uma Reflexão Final

A conexão entre álcool e violência de gênero não é simples nem linear. Não dá para colocar toda a culpa na bebida e ignorar as estruturas de poder, as crenças machistas e os padrões de comportamento abusivo que existem independentemente do álcool.

O que precisamos entender é que tratar apenas o alcoolismo não resolve automaticamente a violência. Da mesma forma, focar apenas na violência sem abordar o uso problemático de substâncias também não funciona. É tudo conectado, entrelaçado, complexo.

Se você está vivendo essa situação ou conhece alguém que está, saiba que não é tarde para buscar ajuda. Cada dia é uma oportunidade de dar um passo, mesmo que pequeno, em direção a uma vida mais segura e saudável.

A violência não é um problema privado que deve ser resolvido “em casa”. É uma questão de saúde pública, de direitos humanos, de dignidade. E você não está sozinha nessa. Existem pessoas, profissionais e instituições preparadas para te apoiar.

Você merece relações baseadas em respeito, não em medo. Merece amar e ser amada sem precisar andar em ovos. Merece paz, não ciclos intermináveis de tensão e explosão. E essa vida é possível, sim. Dá para reconstruir, recomeçar, se recuperar.

O primeiro passo pode parecer impossível, mas é exatamente esse passo que abre caminho para todos os outros.

WhatsApp
Facebook
Twitter
Email
Posts Relacionados